terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dona Maria

Quando eu era pequena, minha avó costumava cantar pra mim. A música que eu mais gostava era a do Alecrim Dourado, quando acabava eu dizia "só mais uma vez vovó, só mais uma" e ela cantava até me fazer dormir. E eu dormia, dormia com as mãozinhas enroladas no seu pescoço e respirando aquele perfume, perfume de vó. De dia corria atrás dela, segurando na sua saia(minha avó só usava saias, nunca calças, nunca) perguntando sobre tudo e de vez em quando ao perguntar "o que é isso?"ela respondia sorrindo de canto "bico de papagaio e lingua de aperguntador". Eu nunca vi o papagaio, nem essa tal lingua de aperguntador.
Na Páscoa, nós cobríamos ovos com cascas de cebola, couve e um pózinho azul que ela comprava. No fim desenhávamos folhas com salsinha e enchíamos de confete. Todas as datas comemorativas nós tínhamos um jeito só nosso de comemorar e cada dia eu aprendia uma coisa nova com ela. Uma vez, meu peixinho beta, o Roberto, morreu. Ninguém sabia como me falar, eu nunca tinha ouvido sobre a morte. Minha avó sentou comigo no jardim e me explicou que todo mundo vinha para a Terra com uma missão, depois de completa precisavam descansar. O Roberto já tinha me feito muito feliz e agora eu precisava colocar ele para dormir. Fizemos um enterro com todas as minhas barbies, eu disse poucas palavras, estava emocionada com as coisas novas que tinham acontecido. Coloquei o corpinho dele dentro de uma caixinha de fósforos, cobri com terra e coloquei uma pedrinha azul para marcar o lugar, afinal eu queria estar lá quando ele acabasse de descansar e voltasse pra mim. Ia lá todos os dias, mas nada acontecia. Até que resolvi desenterrar e tive uma surpresa: o Roberto sumira e no lugar do seu corpo ficara um material leve com o seu formato. Achei lindo o presente que ele havia me dado e levei para casa. Quando cheguei minha mãe não gostou nada e falou pra eu jogar a "merda da espinha de peixe" fora. Foi ai que eu compreendi que aquele era o meu amigo e ele não iria mais voltar. Vovó me consolou por dias.
Sempre foi muito dificil para mim me desapegar das coisas que amava, mas quando minha avó precisou ir eu entendi. Entendi que as pessoas vem ao mundo para pintar quadros, enchê-los de cores. O quadro dela era bem colorido, nada de cinza ou sépia, mas cores vivas como azul turquesa e magenta. Cores que eu nunca mais vou achar. São cores dela, minhas, nossas. E vou continuar desenhando cada detalhe como ela me ensinou.

Nenhum comentário: